domingo, 12 de setembro de 2010

Pescador de leitores


Pescador de leitores
Galeno Amorim - 20/07/2010
Revista 7 Dias

O dia ainda não amanheceu e seu Joaquim já faz as primeiras manobras. Sem fazer barulho, estaciona a velha carroça na frente da casa. Às cinco em ponto tem início o ritual que se repete há anos com um fervor quase religioso.

O dono da casa aparece pra ajudar e ele ajeita os sete caixotes e as duas estantes no carrinho. E ruma na direção do estádio do glorioso Pirapora Futebol Clube. Mas não para. Só pouco depois interrompe bruscamente a viagem, e bem no meio da via pública.

Homens e mulheres ruidosos estão lá montando as barracas, quase uma operação de guerra. Sobre as bancas, ajeitam, em dúzias, as laranjas. E tomates e verduras da véspera. Só então a misteriosa carga é, enfim, descarregada. Mas tudo com muito cuidado.

Léo do Peixe está radiante. Saca duas notas de dez reais de bolso, paga o carreto e dispensa o bom homem. Domingo é dia de feira livre! Nos dias de semana, Leonardo da Piedade Diniz Filho vende o resultado da pesca em casa. Nos finais de semana, ele faz a feira.

É lá que vende os peixes que há duas décadas tira das águas do Velho Chico, no Norte de Minas. Quase em frente, fica a banca da mulher, que vende roupas.

Quando as caixas são, finalmente, abertas, a surpresa: ali nada é perecível. E o que tem lá dentro? Livros! Que serão emprestados de graça pra quem tiver vontade de ler. Quando o dia clarear, uma centena de leitores fará fila diante da inusitada barraca para, em vez de embrulhos de legumes e frutas, enfiar na sacola outra categoria de alimento – um alimento pra alma.

Lobato, Machado, Eça, Coelho... Não importam os nomes: muitos vão lá pelo simples prazer de acariciar as obras. Uns leem por lá mesmo; outros, levam pra casa, e só devolvem no domingo seguinte. Sem qualquer burocracia.

O Clube de Leitura de Pirapora, no Alto do Rio São Francisco, é simples assim. Tudo começou por um motivo singelo: o medo de Léo de ver os filhos longe dos livros. Logo apareceram os filhos de outros feirantes e, hoje, são mais de 400 sócios. Muitos vão à feira só pelos livros. Tanto que Léo teve que contratar ajudantes pra dar conta do recado.
Como a biblioteca não abre nos finais de semana, o sucesso foi imediato. Léo gostou tanto da história de pescar leitores que resolveu abrir, por conta, mais alguns pontos de leitura pela cidade. Por que faz isso?! Ele tem a resposta na ponta da língua:

— Quem não lê vira um cidadão de segunda classe...

Galeno Amorim é jornalista, escritor e diretor do Observatório do Livro e Leitura. Criou o Plano Nacional do Livro e Leitura, no Governo Lula, e é considerado um dos maiores especialista do tema Livro e Leitura na América Latina.
www.blogdogaleno.com.br
@galenoamorim
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(Reprodução autorizada mediante citação da 'Brasil que Lê - Agência de Notícias')
Contato: agencia@brasilquele.com.br

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